Caso no STJ pode restringir uso de mandado de segurança contra tributos periódicos
Corte decide se prazo para o ajuizamento da ação é de até 120 dias após ato normativo ou se renova a cada cobrança
Contribuintes e advogados tributaristas aguardam com ansiedade o julgamento de um tema no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pode impactar diretamente a segurança jurídica daqueles que recorrem ao Judiciário contra a cobrança de tributos. A Corte vai decidir quando começa a contagem do prazo para a entrada de mandado de segurança contra as obrigações tributárias que se renovam periodicamente, como o Imposto de Renda, o ICMS e os recém-criados IBS e CBS. Na prática, o entendimento pode definir não apenas esse marco temporal, mas a possibilidade em si do uso do mandado de segurança para questionar a legitimidade desses tributos antes que eles sejam cobrados.
A discussão busca definir se o prazo para o mandado de segurança se renova a cada cobrança, o que seria favorável aos contribuintes e autorizaria o uso da ação constitucional de modo preventivo, ou se é de 120 dias após a edição de um ato normativo. O problema da segunda hipótese, favorável ao fisco, é que a Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal (STF) veda o uso do mandado de segurança contra lei em tese. Desse modo, se ele não puder ser preventivo, dificilmente poderá ser usado em caso de tributos continuados, obrigando o contribuinte a buscar meios mais demorados e caros.
O entendimento será definido por meio dos REsp 2103305 e Resp 2109221, cadastrados no Tema 1273, que estão na pauta desta quarta-feira (10/9) da 1ª Seção do STJ. Como o julgamento será realizado na sistemática dos recursos repetitivos, a decisão deverá obrigatoriamente ser aplicada por tribunais em todo o Brasil, com exceção do STF.
De um lado, por exemplo no AREsp 1864970, a 2ª Turma tem julgados que concluem que, mesmo que a obrigação tributária seja realizada mês a mês, não há o chamado “trato sucessivo”, pois o fato gerador do tributo, ou seja, aquilo que faz nascer a obrigação de pagar, seria a edição do ato normativo. De outro, a 1ª Turma tem julgamentos, como o do EREsp 2097912, que consideram que, como a cobrança se renova a cada período, não cabe sequer falar em decadência do direito a entrar com o mandado de segurança, pois este pode ser impetrado de modo preventivo, antes da cobrança.
Advogados explicam que a posição mais comum hoje no Judiciário é a favorável ao contribuinte, pelo uso do mandado de segurança de modo preventivo. Mas ainda não há tendência para o resultado no STJ.
Cada um desses posicionamentos apresenta problemas distintos envolvendo a segurança jurídica. A advogada Priscila Faricelli, sócia da área tributária do Demarest, que representa a Maxtrack Tecnologia e Serviços Ltda. em um dos recursos, explica que, no primeiro caso, considerar que o prazo é de 120 dias após a edição do ato normativo pode levar a uma redução significativa do mandado de segurança preventivo em matéria tributária. Primeiro, se esse ato for uma lei em tese, ele não poderá ser atacado por meio dessa ação. Depois, passado esse período, não será possível usar esse instrumento como meio de questionar, antes de sua ocorrência, os tributos cobrados periodicamente.
A advogada também ressalta que esse entendimento obrigará as empresas a utilizar as ações ordinárias, que são mais demoradas e mais caras. Em um mandado de segurança quem perde não precisa pagar honorários, ao passo que a ação ordinária prevê essa penalidade.
“Os fiscos querem reduzir a via do mandado de segurança e obrigar quem quer discutir um tributo a fazê-lo por meio da ação declaratória, que envolve sucumbência. Muitos contribuintes podem deixar de litigar para evitar o risco de sucumbência”, afirma Faricelli.
A tributarista avalia ainda que essa restrição pode fechar a via de discussão judicial das normas tributárias justamente durante a transição da reforma tributária, que vai de 2026 a 2033, quando muitas dúvidas sobre o tema podem surgir. “Esse é um cenário que, ainda, oferece margem para o legislador editar normas que potencialmente podem ser invalidadas pelo Judiciário sem ter risco de um rombo financeiro quando essa norma for julgada inconstitucional”, acrescenta Faricelli.
Para Tiago Conde, professor, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados e procurador tributário adjunto do Conselho Federal da OAB, a divergência entre os posicionamentos no STJ “cria grande insegurança jurídica e risco de restrição indevida do direito de ação do contribuinte”.
Amicus curiae nos recursos, a OAB defende a visão pró-contribuinte. A entidade sustenta que o que há é uma obrigação tributária de trato sucessivo, portanto, com prazo decadencial para o mandado de segurança de caráter preventivo que se renova periodicamente. “O ato coator é contra os efeitos da norma jurídico-tributária e não contra a lei”, explica Conde.
“Admitir que a Administração Pública possa se valer da mera passagem do tempo para legitimar condutas ilegais equivale a permitir que o Estado se escuse do controle judicial sempre que o prazo decadencial do mandado de segurança for alcançado. Isso comprometeria a segurança jurídica e o direito de ação dos contribuintes, contrariando os princípios fundamentais da Constituição, em especial o princípio do devido processo legal e da proteção judicial efetiva”, diz o tributarista.
O procurador da OAB destaca que, em última análise, sobretudo considerando que a Súmula 266 do STF veda o mandado de segurança contra lei em tese, a aplicação do limite temporal após a edição do ato normativo “serviria somente para obstaculizar a tutela jurisdicional”. Conde analisa que seriam subvertidos “os princípios que orientam a ordem jurídica nacional, em especial, a própria segurança jurídica”.
O Índice de Segurança Jurídica e Regulatória (Insejur), criado pelo JOTA em parceria com professores do Insper para avaliar a percepção do setor privado sobre a segurança jurídica e regulatória no Brasil, revelou que 86% dos stakeholders de grandes empresas não consideram que as decisões judiciais sejam consistentes no país. Além disso, para 79% o Judiciário não resolve as disputas de forma previsível.
Paulo Mendes, advogado-geral da União adjunto e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), avalia que a autorização para que o mandado de segurança seja utilizado de modo preventivo, de fato, é o entendimento mais comum hoje no Judiciário. No entanto, ele considera incoerente esse instrumento gerar efeitos patrimoniais pretéritos, uma vez que ele interrompe a prescrição para a ação de cobrança e permite a compensação de valores pagos indevidamente pelo contribuinte no passado. Ou seja, em caso de vitória para o contribuinte, este terá direito a receber de volta os valores pagos indevidamente desde cinco anos antes da ação judicial.
O problema, observa Mendes, é que o uso do mandado de segurança com essa finalidade viola toda a lógica das Súmulas 269 e 271 do STF. A primeira diz que “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”. Desse modo, ele não poderia ser utilizado em busca de consequências pecuniárias, ou seja, de deixar de pagar o tributo para frente e de reaver o que foi pago no passado. A segunda define que a “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”. “O contribuinte utiliza a decisão para pedir compensação na Receita e começa a utilizar o crédito do passado, ou seja, há um claro efeito patrimonial”, ressalta.
O advogado-geral adjunto da União afirma que, com o mandado de segurança preventivo, “os contribuintes acharam uma forma barata e sem risco de testar teses tributárias no Poder Judiciário”. “Eu digo isso porque eles impetram o mandado de segurança, que dizem ser preventivo, e com isso não correm o risco de pagar honorários advocatícios, podem desistir no momento em que quiserem, interrompem a prescrição para a cobrança de tributos e permitem a compensação para cinco anos passados”, critica Mendes.